Cartas
são coisas antigas, ainda mais nos dias de hoje onde tudo são messenger, watts e face; # pronto, falei. Até o e-mail já se sente meio vovô!
Mas para quem acha que as cartas já não têm dias contados, por não terem nem
mais dias para serem escritas, engana-se. Digamos que as cartas, essa missiva
dos tempos dos dinossauros, têm um lugar de honra na inquestionável beleza de
ser... As cartas, diferentes das mídias ceifadoras de palavras e até de
expressões inteiras, falam com o coração; elas deslizam em nossas memórias e
alcançam o patamar da delicadeza e da elegância.
Costumo comparar as cartas com fusquinhas, e todos sabem
que criança não mente. O que isso tem a ver? Tudo! Faça a experiência e veja
como uma criança que não esteja “contaminada” pela mídia – coisa infelizmente
rara – vai preferir o fusquinha à Ferrari... Por quê? Simples! Fusquinhas se
parecem com joaninhas; e as Ferarris? Com Ferraris mesmo. Ah, mas isso é coisa
de criança! Será mesmo? Uma vez colocaram um fusquinha 76 original, impecável,
rodas pintadas, uma beleza, ao lado de uma Ferrari dentro de um shopping para
ver a reação das pessoas. De cada dez pessoas que paravam, oito contemplavam o
fusquinha por mais tempo que a Ferrari... Ou seja, o fusquinha, o chamado popopó, saboneteira, vai-que-eu-fico,
e tantos outros nomes e apelidos, é como a nossa carta: antiga, mas de uma
beleza incomparável, de uma elegância inquestionável e que expressa mais do que
palavras, mas a sabedoria de quem dignifica a escrevê-la, pois ali se cravam
histórias.
Escrever
cartas hoje é sinônimo de coragem, de pessoas que não têm medo de expressar,
além de sentimentos, sua capacidade para tal. Reparem nas pessoas que escrevem
cartas – tudo bem, eu sei que é difícil encontrá-las, mas elas existem – e só o
fato de serem difíceis demonstram especialidades raras. Verá, quando as
encontrar, que são pessoas polidas, que jogam o jogo das singularidades e não
dos plurais, que fomentam encantamentos e nos deixam perplexos pelo diferencial
de um gesto, de uma fala ou da própria escrita elaborada, bem cuidada,
articulada até o último fio da gramática, digo, das palavras. Escrever cartas é
mais do que uma questão de escolha; é uma questão de estilo. Num mundo onde as
pessoas parecem ser feitas em série, ser diferente é um perigo. Mas, às vezes,
esse risco, ou a falta dele, é o que deixou a vida sem graça, sem cor, sem
movimento, apesar de tantos atrativos. O que acontece é que as pessoas são como
as cartas: algumas têm conteúdos e, por isso, continuam existindo fazendo a
diferença no meio de milhões, enquanto outras... Bem, as outras, por sofrerem
tantas mutilações ao longo da vida, é o que todo mundo vê. O que não podemos
deixar de pensar é que a vida é um ciclo. Uma vez se está por cima, outra vez
se está por baixo. O que hoje é considerado antiquado, ultrapassado, amanhã
será um ouro, não o de tolo, esse já sabemos onde se encontra.
Como diz uma aluna minha, “de acordo com os fatos
supracitados”, nada melhor que os ditados populares que muito nos ensinam pela
sutileza de suas ideias. Por isso, termino este texto com um desses ditados que
vem bem a calhar e tão usado em cartas antigamente: “Em terra de cego quem tem
olho é rei!”. Pense nisso...